sábado, 24 de novembro de 2012

A Senhora Rabo de Taca


Autor: Larry Redon

Por onde ela passava todos olhavam. O seu cheiro de cachaça e fumo exalava no ar e todos a olhava com repúdio. Trajava sempre uma saia preta e uma blusinha branca de alcinha. O cabelo andava sempre bagunçado e o seu corpo forte parecia de uma leitoa. Foi exatamente por isso que ganhou o nome de Tonha Rabo de Taca.
Todos da redondeza afirmavam q
ue já viram Tonha virar porca muitas vezes nas madrugadas da pequena cidade. O semblante dela era sempre triste. Vivia numa pobreza miserável. Parecia passar fome, mas não só pela falta de alimento, mas fome de carinho.
Tonha vivia na pequena cidade, numa casinha feita de barro e varas de canudo. Os seus filhos eram tão pobres quanto ela. Viviam da pescaria. Nunca ouvi falar se tinha marido. Tonha Rabo de Taca era um mito dentro da cidade: a mulher que virava porca de madrugada.
Em minha infância, confesso que ela representava os meus medos de criança, hoje rio e vejo como a ignorância e a pobreza fere quem amamos e quem amaremos um dia sem saber. O fato é que depois de tantos anos, ao saber da morte de Tonha Rabo de Taca, nasceu em mim uma espécie de amor pelo o que ela representou na minha infância: o medo. Mas um medo tolo, que hoje se transformou em amor pela história desta mulher simples e que me marcou pelo o medo que os adultos me impuseram.
Lembro-me, que certa feita, minha mãe, vendo-me sofrer com dor de dente, mandou-me procurar dona Tonha. Ela não era dentista, claro que não, mas era uma mulher que entendia de ervas. Lembro-me do medo de bater a sua porta para pedir o remédio!
Vencendo o medo, pois a dor de dente era maior, chamei pela mulher que virava leitoa e ela apareceu na porta, com os olhos tão simples e bonitos, que percebi imediatamente que não me faria mal algum.
Contei o que queria para a senhora Rabo de Taca e ela foi buscar o remédio. Voltou com um pedacinho de papel e dentro dele uma raspa de madeira, me ensinando como usá-la e nada me cobrou pela mezinha.
Voltando à casa, expliquei para minha mãe os ensinamentos da mulher que virava leitoa e depois que passei o remédio em meu dente, a dor evaporou como num milagre. Ah, quanta riqueza esta minha infância!
Não sei como dona Tonha faleceu, mas sei que nunca saiu daquela pobreza e sua família continua na pobreza. É uma família que parece ter sido escolhida para viver na miséria, ganhar apenas as migalhas do mundo.
A mulher que virava leitoa nunca representou nada para o povo daquele lugar, mas para mim hoje, representa tanto, que aquela dor de dente parece voltar e exigir a mezinha da Senhora Rabo de Taca.
Quantos mistérios existem na nossa cabeça: aquilo que nos causou medo outrora, hoje representa a mais doce emoção de ter conhecido aquele ser que fez parte de minha vida sem saber. Eu, talvez não representasse nada para aquela senhora em vida, mas ela representa tanto para mim!
Faz muito tempo que não vejo aquelas paragens, onde viveu a Senhora Rabo de Taca, mas se algum dia voltar, voltarei em plena madrugada, numa noite de lua cheia, para pedir-lhe uma mezinha que sare a dor do meu coração!

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